No mês de março, ocorre em são carlos um festival chamado Identidade. E esse festival serviu de motivação para as palavras que agora escrevo, pensando é claro, na nossa identidade musical. Pois bem, para iniciar aqui uma breve discussão sobre esse assunto acho importante fazer uma pequena retrospectiva histórica da nossa nação e consoante expor minha opnião ao leitor.
O Brasil, durante 4 séculos gestou uma determinada cultura à deriva da cultura dos países dominantes cujos contributos para a formação dessa cultura foram: heranças culturais africanas, heranças culturais indígenas já presentes aqui e heranças ibéricas populares. Dessas, apenas duas foram essênciais para o nosso folclore. A cultura africana e a indígena, que juntas miscigenaram e comporam a maior parte da cultura brasileira.
A partir do momento que somos reconhecidos pela nossa arte, pela nossa cultura, podemos dizer que esta por sua vez nos representa. E olhando lá de fora, pelo que somos mais reconhecidos e representados, concluimos que é por esses estilos e expressões culturais. Por exemplo, o que seria da obra de Heitor Villa – Lobos, um erudito efêmero por natureza, senão fosse essa expressão cultural. As raízes, as origens da nossa cultura, foram extremamente importante para o desenvolvimento de sua obra, que tem como marco expoente a música “O Guarani”. Sim, aquela que ouvimos no início do programa de rádio “A voz do Brasil”.
O que seria da nossa música como o choro, samba e o côco da bolada senão a cultura brasileira. E não para aí, a nossa densidade cultural consegue ser tão forte e impactante que atingiu a literatura com Guimarães Rosa, Mário de Andrade entre outros. Mas atemo-nos à música.
Então essa é a identidade musical?
Na minha opinião, a identidade musical é a expressividade cultural que o ser humano pode dar ao momento que está passando utilizando como alicerce a sua cultura própria. Claro que essa interpretação apresenta variações de estilos e criações. Por exemplo, o desenvolvimento da nossa primeira identidade musical e cultural surgiu num período distante de tempo, aonde o Brasil ainda não Brasil, essa grande ilha era composta pelos seus integrantes originais conhecidos hoje por índios, uma época em que estava sendo criada a manifestação musical nacional através de instrumentos rústicos e musicas que, no fundo, não passavam de rituais tribais. Muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, onde existem inúmeras interferências. Se no passado os pilares da música eram três, como dito acima, hoje de forma muito mais influente e dominadora somos fagocitados pela cultura musical norte-americana. Sendo essa a nossa única fonte. E mais, a partir da mídia e das tendências por ela ditada, traçamos a nossas produções artísticas. O que torna a música pobre, sem conteúdo e desgastante aos bons ouvidos.
Isso implica numa perda de originalidade? Sim, em muitos sentidos, uma vez que estamos apenas reproduzindo o que é criado lá fora, ou melhor, o que é imposto de lá de fora, pela mídia universal, perdemos as nossas caracteristicas, perdemos a nossa forma, perdemos o nosso sangue e a nossa cultura. Mas nem sempre foi assim. Se olharmos um pouco para trás no tempo podemos encontrar o período da tropicália, onde de forma esplendorosa um grupo de artistas composto por: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Novos Baianos, Tom Zé entre outros, tiveram uma sacada genial. Ao entrarem em contato com o que havia de melhor na produção musical universal, especialmente no Rock´n Roll, com Rolling Stone, Beatles, Jimmi Hendrix e Led Zeppelin, eles absorveram o que julgavam bom, as letras, a criatividade, as inovações e aplicaram ao som típico nacional recentemente formado nas mãos de João Gilberto e Tom Jobim, a Bossa Nova. Assim surge uma explosão cultural brasileira com a MPB.
E hoje, como anda a identidade cultural contemporânea?
Hoje estamos passando por um período em que nossa identidade cultural encontra-se perdida, a cultura de massa está criando uma multidão homogênea que tem que ter o mesmo gosto, mas para outra finalidade: o consumo. E não mais para valorizar a expressão da arte, que como bem sabemos é uma das intenções da música.
Talvez a última expressão recente de identidade tenha sido o movimento “Mangue Beat” liderado pela banda Nação Zumbi, eles trouxeram a realidade do nordeste com uma mistura de um som pesado,o Rock, e misturaram com as batidas do Maracatu, original do Pernambuco. É claro que não podemos ser ingênuos, pois eles utilizaram o caminho da indústria pop para divulgar o seu trabalho. O que não passa de um caminho mais fácil, não defendo se é certo ou errado, mas é necessário ser cauteloso com a indústria pop, pois eles estão sempre visando o interesse próprio, e isso faz com que não se estipule um discernimento entre o que é bom e o que é ruim, apenas vende. Acho que o mais importante nesse caso foi a criação do movimento como ressurreição da alma da cultura brasileira diante do cenário musical atual.
O Boi Castrado
Uma das nossas maiores virtudes está na criatividade, na ginga e no lúdico. Se olharmos para os artistas e para suas respectivas representações culturais encontramos essas características no samba de Adoniran Barbosa, no futebol de Garrincha e na arte marcial da Capoeira, talvez essa seja a única arte marcial que é acompanhada com música e não passa de uma brincadeira.
Os artistas não podem viver como bois castrados, que ja não podem mais reproduzir e ficam fadado a obedecer o capataz e seu berrante. É essa a finalidade que tem o mercado hoje, isto é, fazer com que cada vez mais os músicos criem um conteúdo repetido, fútil e muitas vezes sem nexo, para que atinja rapidamente todos os veículos de comunicação e num segunto momento o público em geral, público este que age tal qual uma manada de bois perdida se orientando pelo berrante, e assim saem correndo para gravar um cd do próximo sucesso do carnaval e com muito orgulho sai pelas esquinas esbanjando seu som.
Está na hora de mudar essa atitude, devemos reconhecer a nossa essência, a nossa identidade, temos que dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, temos que dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandioso, é sublime. A maior conquista das artes contemporâneas, creio eu, está em reencarnar a inteligência dentro do compromisso constante da entidade humana, coisa rara mesmo nos maiores gênios do passado.